quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Como Sartre e Skinnner interseccionaram suas idéias com minhas reflexões?

 


 

Hoje, estava refletindo sobre como era o ensino da autonomia na Escola Especial que conheci nos anos 90 e como é hoje esse ensino.

Me peguei lembrando dos livros de Sartre, que lia na adolescência.

Como ensinamos algo tão abstrato para uma pessoa?

No dicionário temos como definição para a palavra autonomia, “algo relacionado com independência, liberdade ou autossuficiência e que o antônimo de autonomia é heteronomia, palavra que indica dependência, submissão ou subordinação.”

Como colocar esses meninos e meninas grandes com crianças pequenas na escola regular? Assim pensávamos e concluíamos que a Escola Especial era o melhor lugar para eles.

As propostas de ensino eram focadas no lar ou para subempregos em empresas que tinham vagas para pessoas com deficiência, como forma de preencher as cotas obrigatórias.

Havia uma preocupação com o futuro, a autonomia dos alunos, principalmente, os com mais de 10 anos de idade.

A Atividades de Vida Diária - AVD e Atividades de Vida Prática - AVP, tinham uma valoração que sobrepunha a aprendizagem escolar, que era substituída, conforme cresciam, pela “manutenção pedagógica” ou seja, manutenção do pouco que aprenderam até então.

A manutenção era a forma, ao meu ver, de desacreditar a escola regular como espaço de transformação e de aprendizagem para todos. Afinal, eles eram grandes, não cabiam no espaço escolar.

Sartre tratava muito sobre esse tema. Ele dizia que a liberdade traz responsabilidade e isso pesa, gera angústia.

Pensei “cá com meus botões”: Será que esse seja o motivo da proteção, quase sempre excessiva, por parte dos responsáveis e de alguns profissionais que atuam com pessoas com deficiência?

Proteção, justificada, para que não tivessem que escolher e arcar com as decisões e responsabilidades, que nós adultos típicos enfrentamos todos os dias e muitas vezes a um custo alto de resposta.

Sartre dizia que, nossas emoções ou paixões não são forças que nos controlam e sim consequências das nossas ações no mundo.

Penso hoje, que Sartre lia Skinner ou vice e versa.

Precisaríamos e precisamos discutir sobre o que seria autonomia verdadeiramente.

Limpar a casa, arrumar uma mesa, ir até o mercado é autonomia ou seguimento de regras?

Na minha opinião, depende do contexto.

As atividades autônomas, não diziam respeito a escolhas ou decisões dos alunos. O que seria ensinado era decidido pelos “especialistas”, que montavam o currículo. Não havia uma avaliação robusta para saber o que eles sabiam ou não e o que deveria ser ensinado. O ensino era para todos e da mesma forma, apesar de vermos suas singularidades, não as respeitávamos.

As atividades “autônomas” eram, na época, simuladas com objetos nada similares ao real, como dinheiro de brinquedo, alimentos de plásticos. Ensinava os meus alunos da Escola Especial sobre meios de transporte, moradia e seus tipos, natureza real e natureza modificada e assuntos relacionados.

Era um trabalho que fazíamos considerando o que achávamos que eles deveriam aprender para serem autônomos.

Eles não tinham escolha. Continua um dia...

Flo Costa/ Agosto 2024

 

 


domingo, 25 de agosto de 2024

 

Ser, é diferente

Na escola foi onde percebi que eu era diferente, por conta de meus professores.

Professor vê tudo, sabe tudo, percebe tudo, mesmo quando alguém “cola” ele vê. Esta professora de alguma forma viu que eu era diferente. Ela sabia que era diferente ter cabelos crespos, pele escura. Eu não sabia, ninguém me contou que o racismo existia. Isso a 55 anos.

E foi assim que um dia percebi que a cor da minha pele me diferenciava dos meus colegas.

Era dia de comemorar algo na escola. Iria ter uma apresentação dos alunos para os pais assistiram, lembro-me de ser uma dança portuguesa, pelo menos me lembro da roupa, dos tamancos e do meu incansável ensaio dos passos. Queria que todos se orgulhassem de mim, vendo como era boa, também, na dança, pelo menos eu achava.

Na hora “H”, mandaram eu me sentar em um banco, segurando uma rosa em uma de minhas mãos. Falaram que era para eu entregar, em certo momento, para alguém, algum professor, sei lá.

A dança começou. Todos em roda, ao som de uma canção portuguesa, todos começaram a bater os tamancos no chão e cantando com sotaques de “Roberto Leal” rsrsr

Todos dançavam, menos eu. Eu segurava uma rosa sentada em um dos bancos do pátio, não poderia dançar. Somente entregar uma rosa para alguém. Este seria o meu papel naquele dia.  Estava fantasiada de portuguesa, com uma rosa na mão.  Chorando, enquanto meus colegas dançavam a dança que eu, com certeza era a melhor. Tinha ensaiado em casa exaustivamente cada passo.

Nunca mais participei de apresentações na escola. Aprendi que eu não era boa o suficiente para ter um papel junto aos outros. Tinha vergonha de mim, da minha cor, dos meus cabelos. Mesmo sendo boa, aprendi que eu não era e acreditava nisso fielmente. Professor sabia de tudo, era quase um “deus” da sabedoria e se ele falava, tínhamos que acreditar. Ele nunca mentiria. Afinal sua profissão era imaculada, ensinando a doutores Ph.D., as palavras iniciais da sua vida de sucesso.

Voltando à dança portuguesa, ela aconteceu.

 Todos aplaudiram ao seu final, menos meus pais e irmãos. Alguma coisa estava fora da ordem, parafraseando Caetano, e eu e minha família não entendíamos por que eu deveria somente entregar a rosa, depois de meus pais irem a São Paulo, na 25 de março, comprar a fantasia de portuguesa, mais bonita que existia. Era de cetim, tinha um lenço na caleça e um aventalzinho com renda na borda. Eu morava em Jundiaí, e meus pais fizeram de tudo para que eu participasse daquela apresentação, a primeira e última apresentam pública da minha vida, da minha vida.

Este momento me marcou, como uma cicatriz, uma tatuagem nunca apagada da minha memória. Tantos momentos foram apagados da minha infância, por conta da ação de uma escola, mas este, nunca! Merda!

Nunca seria professora, os odiava.

Eles sabiam ser cruéis, com o giz, uma lousa e palavras. Sabiam não deixar marcas visíveis no corpo, somente na memória.

Nunca seria professora como eles. Um dia cresci e decidi ser. Ser diferente deles.

Nunca fui uma professorinha doce, voz mansa, mas fui diferente deles pois olhava para cada aluno e os via como alguém que eu não queria que vivenciasse o mesmo que eu quando criança.

Um colega de profissão, me falava que bruxaria era essa que fazia os meus alunos gostarem de mim, mesmo sendo nada romântica com eles.

Entendam por não romântico, ações agressivas ou ações desumanas como as que vivi. Eu os olhava e os vi e suas famílias. Era sincera com eles, brincava com eles, brigava com eles e chorava com eles, mas sabia que meu papel ali não era ficar sentada em um banco segurando uma rosa, mas ensiná-los a segurar uma rosa sem se ferir com os espinhos.

Comemorava com eles cada habilidade aprendida, meus elogios aos meus alunos eram sinceros. Queria isso dos meus mestres, mas nunca tive elogios sinceros ou um abraço gostoso. Não podia apagar a lousa ou encostar em seus materiais imaculados, somente alguns poderiam, os “escolhidos” para serem os melhores.

Conto minha história, não como vítima, mas como um alerta para que outros professores percebam o poder que temos nas mãos. O poder de machucar ou ensinar crianças a serem.

O papel do professor é literário. O seu aluno narra sua história, e seu papel é o de ajudá-lo a desenvolver o seu enredo da vida. Ensiná-lo a entregar uma rosa e não se ferir com seus espinhos e dançar com quem foi agraciado com ela e seu perfume.

Por que defendo a escola? Porque eu aprendi ser uma professora diferente, graças a todos aqueles professores que nunca aprenderam. Enfim, fui a “escolhida” para nunca ser, mas aprendi que escolhas não dependem deles e sim de mim!

Eu escolhi ser!

Flo Costa

25/08/2024

Como Sartre e Skinnner interseccionaram suas idéias com minhas reflexões?

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