Reflexões depois da ABA

Dia do Professor, o que comemorar

Um pouco da minha trajetória

Lembro-me vagamente de minha primeira professora, Janete. Eu tinha seis anos. Não tenho lembranças mágicas dela. Aliás, eu era a menina que me sentava atrás e no canto. Isso não fazia diferença para mim. Pois a sala era cheia de outras crianças e alguém ficaria para trás e no canto. Salas de aula tinham que ser circulares, aí não teria canto, nunca. Recordo-me de um menino chamado Willian, que um dia pediu para ir ao banheiro e, ao lado da mesa da professora, não segurou e ali mesmo se urinou. Ele foi ridicularizado por todos, inclusive por ela. Aí começou minha história de aversão com os mestres.

Conversando com meu irmão, 10 anos mais velho, e ele falou que nunca se sentiu discriminado por conta da raça, mesmo porque sua cútis sempre foi clara e ele não era percebido como uma pessoa negra, mas que ele se recordava (e acreditava que eu não, pois era muito pequena) de um evento na minha escola, onde todos os alunos se apresentariam para os familiares e para o monsenhor. Sim era uma escola católica. Neste dia ele descobriu o que era o racismo escancarado. Estava eu num canto (de novo), chorando com uma rosa na mão, enquanto meus colegas de sala se apresentavam para todos. Neste momento, meu pai, foi até uma das freiras e perguntou o que tinha acontecido e ela disse que não ficaria bem, aos olhos de todos, que eu me apresentasse junto com as outras crianças, por ser negra. A história é longa, não vou me ater a mais detalhes sobre ela, a não ser pelo fato de que meu primeiro contado com a escola não foi muito legal.

 Mudei de escola e lá me deparei com outra professora, Dona Ana, que de boa não tinha nada. Privilegiava apenas alguns alunos em detrimento dos outros. Lembro-me de duas alunas sempre traziam um presente para ela e ela adorava! Essas alunas carregavam sempre a bolsa e o material da professora e sempre estavam na frente e/ou ao lado da professora segurando, ora uma, ora outra, as suas mãos, que ficavam disponíveis, pois elas sempre tinham permissão para tocar no material imaculado da mestra.

Demorou anos até que eu encontrasse um professor que eu admirasse e que me notava. Carlos Kopke, professor de literatura. Eu lia bastante e frequentava saraus na biblioteca Mário de Andrade. Lia e escrevia poemas, como muitos adolescentes o faziam, mas eu escrevia para todos lerem e ele lia, comentava, indicava outros livros para eu ler. Amava suas aulas.

Final do colégio, adeus primeiro professor que fez diferença na minha vida.

Neste interim, antes do mundo acadêmico da universidade, fui a meu primeiro congresso, SBPC no Rio de Janeiro, a convite de uma pessoa. Ah, não falei, mas nos meus planos ia ser oceanógrafa, trabalhar no sul da França e me casar com Philippe Cousteau, filho de nada mais, nada menos, Jacques Yves Costeau. Meu destino estava traçado por mim, mas estava. Mas neste congresso, tinha discussões sobre todas as áreas, não só da biologia, que era meu foco. Entrei numa sala lotada, achei um lugar para sentar-me e assisti a uma palestra que me encheu o coração de dúvidas e incertezas. Saí de lá com a sensação de que havia encontrado um segundo professor inspirador, que era nada mais nada menos, que Paulo Freire.

Fui até uma barraca de livros no congresso, e adquiri dois livros dele: “Pedagogia do oprimido” e “Por uma pedagogia da pergunta”. Saí deste congresso com uma certeza: não iria ser bióloga, nem oceanógrafa. Ia ser professora mesmo diante de tanta aversão à categoria. Mas já sabia que eu seria diferente daqueles professores que passaram pela minha vida. E mais, saí da palestra de Paulo Freire decidida em trabalhar com pessoas com deficiência. Não me lembro de quais foram as palavras dele sobre a questão, mas ele falou de exclusão dos deficientes, pretos, pobres da escola, e me chamou a atenção.

Na minha primeira faculdade, PUC Campinas, entrou um professor na sala e perguntou pelo meu nome. Constrangida levantei a mão. Havia gabaritado a prova do vestibular, com muito chutes, mas chamei a atenção dele. Primeiro lugar no exame. Ele olhou para mim e disse: Nossa você é totalmente diferente do que pensei. Eu olhei para ele e perguntei o porquê. Quando ele me respondeu que era porque eu era “de cor” (nas suas palavras), aí tive a certeza de que outros professores viriam e que minha vida acadêmica não seria fácil! Entrar na faculdade entrei, mas sair...

Saí, tive bons professores, mas nenhum que me faça comemorar o dia deles, ou cumprimentá-los.

 Veio outra faculdade, desta vez, PUC São Paulo. Passei por ela desapercebida, numa turma dividida em classes sociais. Na formatura os professores foram, quase todos, ao Maksud Plaza homenagear parte da turma que puderam pagar o evento. Tive minha colação de grau numa festa de formatura num bar, com o resto da turma e um porre homérico (me lembro até hoje do dia seguinte rs). Foi um momento memorável e divertido.

Passaram os anos e hoje, 34 anos após ter me formado e sempre atuando na educação especial, me deparo com professores iguais aqueles que nada me acrescentaram, mas encontro muitos que mudaram minha vida e meu olhar para a educação e que não me deixaram desistir dela.

O que temos para comemorar? A insistência de alguns professores, e nisso me incluo, em ser mais para os filhos de todos!


Normalização da violência na escola

Por: Flo Costa

Um grito, uma ofensa, uma fala mal-entendida, um professor a beira de um ataque de nervos, brincadeiras de “lutinha”, polícia e ladrão, Batatinha frita 123, não aceitar o outro e cometer bullying contra ele, não aceitar ninguém diferente ao “padrão” para ser seu amigo, as brigas em defesa da família através do famoso “Ele xingou minha mãe”, para este agressor “tá justificado” e para muitos telespectadores mirins também. Esses são exemplos de como a violência é normatizada na escola.

Os jogos com cards ou figurinhas, o famoso Bafo, costumam ser proibidos na escola. Isso encoraja muitas crianças a aprenderem ser sorrateiros, “espertos”, infringindo a norma de proibição do jogo pela gestão.

Todos os brinquedos ou brincadeiras que concorrem com a sala de aula, acabam sendo malvistos. São eles: bolinha de gude, spinners de diversas formas e cores, cards, revista em quadrinhos, elásticos.

Estudantes com deficiência ou transtornos são passiveis de enfrentar essa violência na escola.

Pelo que observei nesses anos, pessoas que apresentam uma deficiência ou transtorno que é visível, como um Paralisia Cerebral, Síndrome de Down, passam desapercebidos da violência na escola, por terem uma deficiência aparente, causando comoção entre os colegas e adultos da escola. Em contra partida, pessoas com deficiências “invisíveis”, como autismo, TDAH, DI, são mais suscetíveis à violência, justamente por serem semelhantes ao padrão dos estudantes , mas com comportamento diferente  do esperado.

Este tipo de violência, por vezes é reforçado no ambiente escolar pelos próprios adultos, que olham com olhar assistencialista para aquele que apresenta uma condição visível e com os outros que não tem, não sabem como lidar,  acusando-os de preguiçosos, mal-educados, “cheios de mimimis”, é um desrespeito e uma violência sem precedentes, que incita a desigualdade entre os pares.


A professora, o unicórnio e a ABA´

Por: Flo Costa

Como um unicórnio tão lindinho pode invalidar meu trabalho de anos na Educação Especial?

Sim, invalida. Sabe como?

Sou uma professora, hoje aposentada, que atuou por mais de 30 anos na Educação Especial. Sempre fiz um trabalho de excelência, apesar das infinitas dificuldades educacionais que enfrentei.

Não tem um dia, que abro as redes sociais e há menção ofensiva à educação e aos professores.

Sabemos que o sistema educacional no nosso país é bastante defasado em relação a outros. Não sou hipócrita, sei que há escolas e profissionais ruins, mas também há escolas boas e bons profissionais e não são poucas.

A ABA – Análise do Comportamento Aplicada, veio me trazer estratégias possíveis de serem usadas no trabalho com meus estudantes, enriquecendo-o ainda mais.

Ah Flo, mas você é diferenciada, corre atrás, estuda. Sinto informar, a alguns Analistas do Comportamento, que não sou a única. A escola pode não conhecer a ABA como vocês, Analistas do Comportamento, porém sempre vi na escola trabalhos incríveis de professores igualmente incríveis

A ABA nunca fez parte ou foi obrigatória ao nosso currículo.

E porque tantas críticas aos professores, por parte de alguns Analistas do Comportamento, que insistem em falar mal e culpabilizar pelas falhas no pelo sistema de Educação Especial e Inclusivo do nosso país?

Flo, esse post foi só uma brincadeira! Foi só um post! Não.

Nunca foi brincadeira o meu trabalho com meus alunos e seus familiares, por isso exijo respeito por parte de alguns profissionais que insistem criticar a escola  e professores aqui do nosso país.

Sério, cansei. Pretendia aos poucos me despedir da educação e da ABA, mas alguns se esforçam para que isso aconteça hoje.

Não é porque vocês fizeram Psicopedagogia ou até pedagogia, que podem falar do chão da escola. Vocês não têm esse direito, assim como eu não tenho o direito de entrar em seus ricos consultórios, e falar o que fazer com seu cliente, que também é meu aluno.

Ah, ouvi ontem uma Analista do Comportamento falando ironicamente, que o Brasil não tem inclusão, imagina então, se as escolas fazem Habilidades Sociais com seus alunos, como os Analistas do Comportamento fazem hoje.

Habilidades sociais, na escola, existe antes do Skinner ter nascido, segundo fala de um amigo professor.

Não sou contra a ABA na escola, muito pelo contrário, desde que a conheci, partilhei como meus colegas as inúmeras possibilidades que temos para trabalhar com nossos alunos na escola e não falo somente de autistas, a ABA nos traz estratégias muito eficazes e possíveis de serem usadas na escola.


Sobre o comércio dos PCD´s

Recentemente vi uma loja de brinquedos.  
Uma loja de brinquedos para autistas. legal né?
 Entrei. Havia  jogos  diversos, que não tinham nada special. Jogos já existentes, mas  com outra "roupagem". Quebras cabeças de todos os tipos, jogos de tabuleiros, brinquedos para "acalmar" autistas e entre outras coisas, "específicas" para....
Essa loja ficava ao lado de uma clínica de atendimento para autistas. 
Coincidência? Acredito que não.
Ontem, no instagram, deparei-me com um famoso, que tem um filho autista, fazendo propaganda de um tênis da Nike para Pessoas com Deficiência - PCD's.
O que tem de especial nesse tênis, que é benéfico à pessoa? 
A sua fácil colocação, só colocar o pé que o tênis calça-se praticamente sozinho.  Uau! Um tênis de quase mil reais para PCD's! Só enfiar o pé e pronto.
Lançamento inédito? Não, já vi similares, mas o layout é outro e é da Nike. E?
Que comércio é esse que transforma a Torre de Hanoy, em um simples jogo de encaixe para autistas, justificado por desenvolver a coordenação motora, trabalhar lateralidade, tamanho, cor. Não teria problema nenhum usar o brinquedo para encaixe, mas, vendê-lo com outra roupagem deveria ser crime.
Recentemente, vi uma mãe mostrando o jogo que seu filho ganhou, um jogo específico para autista e seu filho é autista!. 
Oi? Pequeno Engenheiro, vendido como blocos, coloridos e divertido, para autistas. Uai, mas esse jogo não são blocos coloridos, para montar? Sim, mas não é e nunca foi um jogo específico para autistas. 
Pergunto novamente, que comércio é esse que está pensando nas pessoas com deficiência, de forma a facilitar sua vida? No mercado já temos alimentos cortados, facilitando seu consumo para pessoas com problemas motores e para pessoas que buscam praticidade. Posso falar que aqueles alimentos cortados são somente para PCD's? Não. 
Talvez as pessoas que trabalhem no mercado, não saibam dessa funcionalidade dos alimentos previamente cortados, para pessoas que buscam praticidade ou acesso ao alimento.
Gente, não sou contra nenhum dos jogos, sapatos, brinquedos que citei, muito pelo contrário, sempre usei ou usaria com pessoas típicas ou atípicas.
Qualquer jogo, brinquedo ou itens pensados para uso de PCD's, no geral, podem beneficiar alguma área do desenvolvimento de todos.
Agora, um jogo, brincadeira, qualquer que seja,  pensado  para um aluno específico, torna-se uma atividade individualizada, com objetivos  e procedimentos, de forma que o ensino do jogo seja adaptado à maneira  que este estudante aprenda.



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